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Depois dos táxis, aplicativos de transporte ameaçam sistema de ônibus FacebookTwitterPinterestMais...
Por: 21 de Junho de 2019 em: Notícias

Não há quem não se lembre da pesada reação dos taxistas à entrada no mercado da concorrência de serviços de transporte de passageiros por aplicativo, liderados pelo Uber. Mas o que pouca gente previa era que, cinco anos depois de sua estreia, os apps do tipo fizessem balançar sobre as rodas os pesos-pesados do transporte coletivo: as empresas concessionárias do sistema público. Na quinta reportagem da série sobre mobilidade na era da tecnologia, o Estado de Minas mostra que, em meia década de consolidação das companhias de base tecnológica que impuseram novas regras nas ruas e avenidas de Belo Horizonte, as plataformas de deslocamento baseadas em celulares colecionam cada vez mais adeptos, enquanto na contramão milhares de pessoas desembarcaram dos coletivos na cidade.

De 2014 para cá, período que coincide exatamente com o fenômeno dos novos aplicativos de transporte, ônibus operados pelas empresas concessionárias do sistema municipal registraram redução de quase 17% no número total de pessoas que passam pelas roletas anualmente. Enquanto em 2014 o sistema carregou mais de 448 milhões de pessoas, em 2018 esse número estacionou em cerca de 372 milhões. São quase 76 milhões de passagens a menos no sistema, mas isso não é o pior para as companhias tradicionais: a tendência de 2019 é de redução ainda maior.
 
Para a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), os aplicativos têm influência direta nesse quadro, que tende a se agravar sobretudo com a expansão dos serviços de compartilhamento do transporte entre pessoas que não se conhecem dentro de um mesmo veículo. O presidente-executivo da entidade, Otávio Cunha, acredita que, se não houver intervenção do Estado nessa modalidade, é grande a possibilidade de o sistema instaurar em definitivo o caos no transporte público por ônibus.
 
Para se contrapor a isso, no mesmo período em que houve mudança significativa nos deslocamentos em BH, o transporte coletivo também usou a tecnologia para tentar se aprimorar. A partir do aplicativo SIU Mobile, passageiros passaram a poder monitorar os ônibus, sabendo quanto tempo falta para o coletivo chegar a cada ponto, o que mudou a lógica de esperar por longos períodos sem saber a hora de chegar em casa. Mas foi pouco para um setor que, além da concorrência de aplicativos, enfrenta como todos os demais os efeitos da crise econômica.
 
O dirigente da NTU destaca que outro fator preponderante para a fuga de passageiros dos coletivos é a lentidão da economia. Segundo ele, os mais de 13 milhões de desempregados que hoje se espalham pelo país são em sua maioria pessoas originárias do setor formal, que recebiam vale-transporte e por isso usavam o sistema de ônibus. O fator crise também é apontado como decisivo pelo presidente da BHTrans, Célio Freitas, para o sufoco no sistema ônibus. Porém, ele admite a influência direta dos apps de transporte no quadro. “Uma parcela dos usuários do transporte coletivo e uma parcela dos usuários do táxi migrou para o serviço baseado em aplicativos. O que a gente não consegue medir ainda é qual parcela é essa”, diz Freitas.
 
Otávio Cunha, da NTU, sustenta que o transporte individual de passageiros mediado pelos aplicativos não é o foco das preocupações da entidade. Mas a oferta dos apps de compartilhamento de carro entre pessoas desconhecidas, o que reduz ainda mais a tarifa individual, tornando-a muitas vezes mais atrativa que os preços das passagens, tem potencial para estrangular o sistema ônibus. Isso porque, segundo Cunha, essa modalidade acontece normalmente em áreas de maior movimento, onde estão as linhas consideradas superavitárias. São elas que equilibram o sistema, em conjunto com os percursos que normalmente não dão lucro, mas precisam existir para manter atendimento em 100% da cidade.
 
“Hoje esse tipo de serviço está sendo feito com automóvel em que cabem quatro pessoas. Amanhã ele pode ser ofertado por uma van e aí certamente o transporte público pode virar o caos, porque as empresas ficariam obrigadas a cumprir determinados contratos, mas não terão receita para isso”, diz Otávio Cunha. O Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (Setra-BH) acrescenta que “os custos de operação do transporte por aplicativo são notoriamente menores, não há a necessidade de disponibilização prévia e obrigatória do serviço, há flexibilidade na cobrança dos valores e é possível escolher os lugares mais atrativos para operar, entre outras facilidades”. “Essas empresas se valem da ausência de regulamentação para exercer suas atividades, sempre sob o pretexto da livre iniciativa”, informa a entidade representativa das empresas tradicionais de transporte.
 
Para a população que usa o serviço dos ônibus, a expectativa era de que a redução tão significativa do número de passageiros transportados pelos coletivos aumentasse o conforto do sistema, reduzindo a superlotação. Mas na prática não é o que acontece, segundo usuários do sistema, como a vendedora Ila Guedes, de 37 anos, que mora no Bairro Santa Mônica, na Região de Venda Nova. Ela usa seis ônibus por dia no trajeto de ida e volta de casa para o trabalho, no BH Shopping. “Todos os que eu pego vão muito cheios. A impressão que tenho é de que diminuíram a quantidade de coletivos, porque cada vez ficam mais lotados”, diz ela.
 
Em sua rotina diária, Ila pega um ônibus de uma linha alimentadora do Santa Mônica até a Estação Pampulha do Move. Depois, usa uma linha troncal até a Estação UFMG. Por fim, sobe em um coletivo que vai até o BH Shopping usando o corredor exclusivo da Avenida Antônio Carlos. Essa lógica passou a vigorar a partir de 2014, quando o Move foi inaugurado. Antes ela usava um ônibus de casa ao Centro e um segundo até o trabalho. “Antes era bem mais fácil, mas agora reconheço que ficou mais rápido”, diz.
 
Fontes: Jornal Estado de Minas 
Foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A PRESS
Publicação: Guilherme Paranaiba